Hermeto Pascoal e a sanfona de 8 baixos

hermeto

*texto escrito pelo Léo Rugero.

Hermeto Pascoal nasceu em 22 de junho de 1936, no município de Lagoa da Canoa, que na época ainda era um distrito de Arapiraca, no estado de Alagoas. Filho de Pascoal José da Costa (Seu Pascoal) e Vergelina Eulália de Oliveira (Dona Divina).

Sobre a sua infância, o próprio Hermeto relata histórias muito curiosas. Suas lembranças denotam um menino que trazia consigo um dom especial, uma aguda sensibilidade para os sons. Assim, desde ferros, penicos, sons dos animais, das águas, o vento, as trovoadas, pessoas falando ao longe… para Hermeto, desde o início tudo era som. “Quando eu tinha sete para oito anos, meu avô (…) era ferreiro. Meu avô jogava fora os pedaços de ferro que sobravam. Eu pegava e escondia na dispensa da minha casa. Escondia para fazer som.”

Ou ainda, descrevendo outra faceta de seu avô: “Ele também consertava penicos. Quando ele consertava os penicos, eu batia para ver o som.”

Seu primeiro instrumento foi possivelmente uma flauta de mamona que ele mesmo construiu. Com a mesma curiosidade, tem a sua primeira instrução musical participando do folclore local, como os Reisados . Conta o próprio Hermeto, que auxiliava na confecção de fantasias.

Devido ao fato de ser Albino, era poupado do trabalho árduo de uma família de camponeses, no sol escaldante do agreste. Então, foi nos momentos de refúgio, aos meio-dias, à sombra das copas das árvores, ou na quietude do lar, que foi desenvolvendo sua musicalidade incomum.

A sanfona de 8 baixos foi uma herança que Hermeto, bem como seu irmão mais velho, José Neto, receberam do pai, Seu Pascoal. Quando ele se ausentava de casa, os dois meninos costumavam pegar escondida a sanfona que ficava guardada debaixo da cama no quarto de seus pais. Hermeto conta que, certa vez, seu pai chegou a casa e ouviu o som da Sanfona. Perguntou à esposa, Dona Divina, se o seu irmão que estava tocando. Ela, no entanto, respondeu que eram os meninos. Quem diria aqueles dois meninotes já estavam tocando mais que o velho Pascoal, afamado sanfoneiro das redondezas. Com isso, Hermeto, junto ao irmão Zé Neto, ganhou seu primeiro instrumento musical, uma Sanfona de 8 baixos.

Fora a música folclórica e os sons do ambiente em que vivia aliado à curiosidade de Hermeto em tirar som de todos os objetos possíveis, eis que surge uma nova influência muito marcante em sua formação musical: a música de Luiz Gonzaga, “O rei do baião”. Ao que parece, Gonzaga foi de influência avassaladora no Nordeste dos anos 40, não só do ponto-de-vista musical, bem como em relação à estima dos jovens prodigiosos do sertão, distante das rádios, que na época, eram o veículo obrigatório aos músicos que desejassem se profissionalizar. No entanto, o rádio nem mesmo havia chegado à Lagoa da Canoa.

“Na nossa época, o ídolo nosso era o Luiz Gonzaga. (…) os sanfoneiros (…) aprendiam as músicas (…) na cidade grande, em Arapiraca, em Maceió, e eles aprendiam um pedaço de cada música. Ninguém sabia uma música inteira, porque ninguém tinha vitrola. (…) Gramofone na feira, o cara levava um (…) e cobrava para rodar um disco de Luiz Gonzaga. Então, não dava tempo nem de decorar uma música toda.”

E aos poucos, o jovem Hermeto e seu irmão Zé Neto, são requisitados para tocar nos bailes populares (festas de pé-de-pau), casamentos, batizados, feiras, circuito obrigatório, escola dos tradicionais sanfoneiros nordestinos. “A festa de pé-de-pau é aquela festa feita ao ar livre que nós chamamos agora de pé-de-serra. (…) eles enfeitavam as árvores, mas na hora do baile mesmo, aí era pra dentro de uma casa.”

No repertório, canções folclóricas e músicas de Luiz Gonzaga, onde os dois meninos, Hermeto e Zé Neto, se revezavam entre a sanfona e o pandeiro. Animando estas festas, começava a carreira do gênio musical que anos mais tarde deixaria sua forte impressão digital registrada na música brasileira.

Mas Hermeto, que era conhecido na vizinhança por “Sinhô”, começava a chamar a atenção pela maneira peculiar como manejava a sua Sanfona de 8 baixos. E alguns comentavam com o seu Pascoal, pai de Hermeto: – ‘Seu Pascoal, não sei, sabe, o “Sinhô” é doido. (…) Ele ta tocando uma música, tá tão bonita, de repente ele faz um negócio lá que agente não entende. O Zé Neto toca mais simples…’
A marca indelével de sua singularidade musical já começava a dar os seus primeiros sinais.

Desta época, Hermeto descreve um episódio no mínimo curioso. O menino Hermeto, com seus oito para nove anos, estava tocando sua sanfoninha de oito baixos na rua, e passou um homem, um desconhecido, que lhe pediu para tocar uma determinada música. Hermeto então respondeu: – Eu não sei não, seu moço. Não conheço essa música não! O moço então lhe disse: – Olha menino, eu só vou dar uma rodada. Quando eu voltar, se você não tocar a música, eu vou cortar o seu fole no meio. Hermeto, que como ele mesmo assume, “era um menino atrevido”, desafiou o desconhecido, dizendo: – Corta meu fole ao meio, corta que eu quero ver! Foi que o homem pegou a peixeira e atravessou o fole ao meio, deixando Hermeto com uma parte da sanfona em cada mão. Mais tarde, Seu Pascoal vendeu mais uma vaca para comprar uma sanfona com uma quantidade maior de baixos, por sugestão de um vizinho. Então, Zé Neto fez a longa travessia de Lagoa da Canoa à Maceió, para buscar a sanfona. Uma sanfona preta de 32 baixos. Com um mês já estávamos arrasando, tocando tudo que tinham direito, conta Hermeto.

De Lagoa da Canoa para o mundo

Mais tarde, já um adolescente, Hermeto muda-se para Recife, em Pernambuco, onde através do acordeonista Sivuca, ele e o irmão Zé Neto são contratados pela Rádio Tamandaré. No entanto, naquela altura, em 1955, Sivuca estava prestes a ir para o Rio de Janeiro tocar na Rádio Tupi, fazendo com o trio de albinos “O mudo pegando fogo” que seria formado por Hermeto, Zé Neto e Sivuca deixasse logo de existir. Deste modo, sendo Hermeto também um bom pandeirista, passou a ser sempre escalado para esta função na rádio, embora sempre tivesse esperanças de tocar a sanfona. Neste momento, Hermeto conhece Jackson do Pandeiro, que lhe dá um bom conselho: – ‘não toque pandeiro porque você nunca vai ser um pandeirista, e tem tudo para ser um grande sanfoneiro. Não fale nada, mas bote pé firme e não toque pandeiro.’ Em seguida, convocaram novamente para que Hermeto se apresentasse como o Sivuquinha do Pandeiro, ao que ele recusa com veemência. Resultado: 15 dias de suspensão para Hermeto e seu irmão, Zé Neto. Depois, Hermeto é transferido para uma sucursal em Caruaru e Zé Neto para Garanhuns.

Em Caruaru, Hermeto passa a dedicar-se quase exclusivamente ao acordeon, objetivando melhores trabalhos. No ano seguinte, eis que surge Sivuca em Caruaru, e foi tocar na rádio em que Hermeto trabalhava. No momento em que regia um conjunto numa apresentação, o acordeonista lhe desperta a curiosidade. Pergunta quem é o albino e lhe dizem que era um refugo da rádio da capital. Sivuca, que já era um músico respeitado e influente no Nordeste, promoveu um aumento de salário para Hermeto, convencendo os diretores da rádio que caso não aumentassem o ordenado do sanfoneiro albino, perderiam um ótimo músico. Dito e feito, batido o martelo, com o novo ordenado Hermeto pagou algumas dívidas e comprou um acordeon de boa qualidade.

Com este instrumento, participaria do disco “Batucando” com o Regional de Pernambuco do Pandeiro, em 1958, já no Rio de Janeiro. Logo em seguida, torna-se pianista da noite, acompanhando músicos como Fafá Lemos e através deste instrumento começa a consolidar a sua carreira.

Nos anos 70, Hermeto se consagra como um ícone da musica instrumental brasileira, combinando de forma singular a tradição de estilos musicais como o forró, o choro e a bossa-nova com improvisação jazzística e ousado experimentalismo, num rico caldeirão onde há espaço para todos os sons que povoam o rico universo de sua existência.

Sanfona de 8 baixos

Somente no final da década de 90, em seu álbum “Eu e eles”, que Hermeto gravaria seu primeiro solo de sanfona de 8 baixos, com a gravação de “Vai um chimarrão, tchê?”, bela homenagem ao gaiteiro gaúcho Renato Borguetti. A sanfona então ressurge no trabalho de Hermeto, tanto em gravações como nas apresentações ao vivo. No álbum, “Rapadura e chimarrão” gravado ao lado da esposa, a cantora Aline Morena, Hermeto repete a dose, só que de maneira mais generosa, e registra diversas músicas com a sanfona.

Baile Sanfonado, é um estudo de independência rítmica entre as duas mãos. Enquanto a mão esquerda executa um baixo obstinado, a mão direita desliza livremente sobre os botões. Garrote é uma composição originalmente gravada no disco ‘Festa dos Deuses’, e nesta adaptação de Hermeto, ganha vivacidade em andamento, rápida como um raio, escrita no compasso de sete tempos, incomum na prática musical brasileira. Em Baile de candieiro, Hermeto visita o ritmo ternário da rancheira de Albino Manique e Sérgio Napp, ao estilo da gaita-ponto gaúcha, transgredindo fronteiras territoriais.

Nas suas apresentações ao vivo, Hermeto tem se utilizado deste repertório notável, além de peças ainda não registradas em estúdio como ‘Forrozão dos 8 baixos’, um autêntico forró instrumental, com frases construídas em grupos de semicolcheias, que não difere em clima e agilidade dos forrós clássicos de mestres da sanfona de 8 baixos como Gerson Filho, Abdias e Zé Calixto.

Embora ainda seja uma obra pequena que tenha sido registrada, já deixa provas da contribuição do “bruxo” à Sanfona de 8 baixos no cenário internacional, apresentando variados recursos expressivos, e conciliando a tradição musical nordestina do fole de 8 baixos com a idiossincrática inventividade que sempre caracterizou o trabalho de Hermeto Pascoal.

Dominguinhos e Alceu Valença

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*Foto enviada pelo Thiago Ribeiro.

Caçulas do Baião – Caçulas do Baião

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Colaboração do Jorge Paulo, o Bandeirante do Norte.

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Juarez Major, natural de Tacaratú – PE, o sanfoneiro Domingos Tenório, natural de Igaci – AL, e o zabumbeiro Zito Pereira, natural de Ponte Nova – MG, formavam o Trio Caçulas do baião, trio que existe desde 1957.

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“A foto da capa, marca uma apresentação dos ‘Os Caçulas do Baião’, no programa ‘Chapéu de couro’, do ‘Bandeirante do Norte’, Jorge Paulo, que prazeirozamente assina essa contra-capa, augurando a cada dia maior êxito, a quem tão bem merece alcançar os píncaros da glória.” (Trecho extraído da contra capa)

Caçulas do Baião – Caçulas do Baião
1969 – Beverly

01 História de Pedro Cem (Juarez Major)
02 Balanço da baiana (Zito Pereira)
03 Motivo de um destino (Juarez Major – Domingos Tenório)
04 Frogodó (Juarez Major – Domingos Tenório)
05 Saudade do Igaci (Juarez Major – Zito Pereira)
06 Coração traidor (Domingos Tenório – Juarez Major)
07 A carta e o lamento (Domingos Tenório)
08 Coló (Domingos Tenório – Juarez Major)
09 Amor de mãe (Zito Pereira – Juarez Major)
10 Forró bolando (Domingos Tenório – Zito Pereira)
11 Tarde arrependimento (Juarez Major – Domingos Tenório)
12 Dois irmãos (Antonio Tenório – Domingos Tenório)

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