Texto: Matéria sobre o Forró em vinil publicada no JC online de Recife – PE
MÚSICA
Blog criado por paulista preserva memória do forró
Forró em Vinil disponibiliza discos fora de catálogo
Publicado em 29/06/2013, às 09h26
José Teles
No site de uma megastore brasileira há sete títulos de Jackson do Pandeiro disponíveis. Nenhum de álbum original. Apenas coletâneas. Por sua vez, de Dominguinhos pode-se encontrar uma média de 17 títulos, a maioria lançamentos da última década. E os dois são astros do gênero, sempre lembrados e regravados. O que dizer de centenas de forrozeiros de um único sucesso, ou que nunca chegaram aos primeiros lugares das paradas? É o caso do baiano Azeitona (Walter dos Santos, 1933-2000). Ele ganhou a primeira sanfona de Luiz Gonzaga, integrou o Trio Nordestino com Cobrinha e Coroné, mas preferiu a carreira solo. Deixou o trio, em 1959, para entrada de Lindú.
Ou ainda o caruaruense Déo do Baião (José Antonio da Silva Filho, 1928/1997), que começou a gravar pela Rozenblit, quando integrou o Trio Nortista com o sanfoneiro Camarão, e o zabumbeiro Zé Cobrinha. Déo do Baião morreu em Catende, Zona da Mata Sul pernambucana, ironicamente, na véspera do São João. Ele aparece no Forró em Vinil com um álbum solo, e participações em quatro coletâneas raras, lançadas pelo selo Mocambo a Rozenblit, no igualmente raro álbum do Trio Nortista, e em um LP solo. Assim como Azeitona e Déo do Baião, dezenas de forrozeiros e forrozeiras podem ser conhecidos apenas em blogs especializados no gênero, dos quais o Forró em Vinil tem o maior acervo. Muitas vezes são os parentes dos artistas que enriquecem o acervo do Forró em Vinil. Foi o neto de Déo do Baião que forneceu discos e informações sobre sua biografia.
No site Forró em Vinil (http://www.forroemvinil.com/), há 117 entradas sobre Dominguinhos (entre fotos, vídeos e discos), e 85 sobre Jackson (também fotos, vídeos, álbuns compactos. O site (na verdade, um blog) surgiu para preencher uma imensa lacuna provocada pelo descaso das gravadoras. O Forró em Vinil disponibiliza hoje mais de três mil discos, praticamente todos fora de catálogo. Foi criado por Ivan Dias, um paulista, fã de forró, que resolveu compartilhar sua coleção de LPs, compactos e 78 rotações. Dias é também DJ de forró, e um dos produtores do Rootstock, megafestival de forró, que acontece há 12 anos num sítio em Cabreúva no interior de São Paulo, durante três dias.
“A proposta do Blog Forró em vinil é publicar gratuitamente os discos antigos lançados em vinil, na sua maioria, fora de catálogo, para resgatar, divulgar e fomentar o forró. O foco inicial foram os discos de vinil, mas passamos em seguida a publicar tudo que tivéssemos acesso em termos de registro da história do Forró Pé de Serra, reunindo além dos LPs, algumas entrevistas, CDs, textos, fotos e vídeos, tudo dedicado a difundir e assim preservar o forró tradicional”, explica Ivan Dias, provavelmente o primeiro DJ com repertório exclusivamente de forró: “A paixão pelo forró, pela música e pela dança, inicialmente a forma de dividir minha coleção de discos de forró com as pessoas foi através da discotecagem”.
O Forró em Vinil recebe uma média de três mil visitantes por dia, do Brasil e do exterior. Um número que dobra no período junino. Ivan Dias diz que não vai estender o blog a um selo especializado em discos fora de catálogo: “O site não tem fins lucrativos, sendo assim, montar um selo comercial não combina. A ideia é fomentar a música livre e dar a opção de cada pessoa ter acesso gratuito a qualquer música e poder escolher o que quer ouvir. Mas criamos um selo independente e lançamos alguns novos artistas como, por exemplo, o sanfoneiro Chiquinho Alves, e um dos melhores Trios de forró da nova geração, o Trio Alvorada. Assim como todos os outros discos, eles estão disponíveis gratuitamente em nossa plataforma para que possam ser multiplicados e assim cada pessoa, cada fã, poderá divulga-los para os amigos, e assim vai”.
Ratificando a pouca atenção que dispensam à discografia do forró, as gravadoras que detem os direitos de discos baixados, gratuitamente, no blog raras vezes exigiram que títulos sejam deletados da plataforma em que estão hospedados: “Até agora tivemos dois casos de gravadoras que pediram pra tirar a disponibilidade de um disco específico e obedecemos na hora. Deixamos publicadas apenas as informações de catálogo de cada disco, como artista, título, ano de gravação, nomes da músicas e seus respectivos autores”.
GONZAGÃO E MARINÊS
Até mesmo Luiz Gonzaga (1912/1989) tem sua discografia acessível para Download no Forró em Vinil. Inclusive em CDs lançados pelo Revivendo, selo criado por Leon Barg, um Pernambuco, radicado em Curitiba, onde viveu até 2009, quando faleceu aos 79 anos. Barg, assim como Ivan Dias, a principio foi um colecionador de discos (possuiu a maior coleção de 78 rotações do país), depois passou lançar coletâneas bem produzidas de artistas da era do rádio, a maioria de nomes caídos no ostracismo. Gonzagão tem 157 entradas no acervo do Forró em Vinil, com discos da RCA, Odeon e Revivendo. Provavelmente as gravadoras não se importem com o Forró em Vinil, porque temporariamente relançam os títulos, com compradores certos e sabidos.
Ivan Dias diz que pelo menos vinte colecionadores abastecem o Forró em Vinil com discos fora de catálogo: “Estamos sempre garimpando e aos poucos pretendemos resgatar tudo, mas é bastante difícil, sendo assim, temos que ser versáteis. Ultimamente, conseguimos trazer à luz parte importante da discografia da gravadora Cantagalo. Um dos nossos colaboradores, Everaldo Santana, teve acesso ao acervo do Castanheiro, que foi músico da gravadora Cantagalo por muito tempo, e com seus discos estamos por completar a discografia do Oswaldinho do Acordeom, por exemplo”. O blog supre a ausência de discos em catálogo que atinge até mesmo a Rainha do Xaxado, Marinês (1935/2007). Assim como Jackson do Pandeiro, dela só existem compilações à venda. No Forró em Vinil Marinês tem direito a 80 entradas.
A Sony Music (a antiga CBS), que detem o catálogo da RCA, comete com Marinês um crime de lesa-majestade. A pernambucana proclamada Rainha do Xaxado pelo Rei Luiz Gonzaga, foi a mais importante e influente voz feminina do forró. Seus principais discos (disponíveis no Forró em Vinil), foram lançados pela RCA e CBS. Todos estão fora de catálogo. Apenas cinco chegaram ao CD, mesmo assim numa edição o simbólica de 500 cópias cada. Não fosse por blogs criados por admiradores do gênero, como o paulista Ivan Dias, ou de pequenos colecionadores (só dedicados a Luiz Gonzaga existem dezenas), o forró permaneceria um gênero quase sem passado.