Texto – Forró, Jovem Guarda, eu e meu pai
*Texto enviado pelo Abílio Neto.
Recordo que, dos grandes movimentos musicais brasileiros, a Jovem Guarda me alcançou na adolescência e eu a detestei. Só gostava de Leno e Lílian. Os meus amigos de colégio diziam que eu só podia ser meio pirado para não gostar de uma coisa tão inovadora como aquela. Falavam que era rock. Nunca foi, acho eu.
A Bossa Nova, essa eu não consigo me lembrar. Quando João Gilberto lançou o álbum “Chega de Saudade”, eu tinha 9 anos. Não me lembro nem se tocava no rádio. Mas depois que eu fiquei mais taludinho e comecei a me interessar por música, nas lojas de disco que eu frequentava em Caruaru, procurei saber como aquele povo matuto (acho que vão me matar!) encarou João Gilberto. Disse-me um vendedor de disco de uma loja daquele beco estreito onde existia “A Pequena De Ouro”, que um dia pôs o LP dele para tocar, oferecendo-o a um fazendeiro. O freguês escutou algumas músicas, depois pegou a capa do disco, olhou João com aquela mão no queixo e se encrespou com o vendedor: – “Isso é música pra viado e você está querendo me vender isso. Está pensando o quê?” Saiu da loja furibundo!
Somente mais velho e através de Adilson Ramos e Reginaldo Rossi, já na década de oitenta, é que vim curtir a Jovem Guarda. Na década de sessenta, eu gostava mesmo era de forró e música de festival. E foi desses festivais que nasceu a vigorosa MPB incorporando até o baião. Para mim, aquilo tudo era uma bênção!
Eu odiava “Quero Que Vá Tudo Pro Inferno” e meu pai mais ainda. Eu, porque a achava alienada para aqueles tempos bicudos, e meu pai porque era um fundamentalista religioso! A gente que não gostava dessa música zombava até dizendo que a solidão de Roberto Carlos era na bunda: “De que vale a minha boa vida de playboy/ Se entro no meu carro e a solidão me dói?”
Depois, muito depois, já agora no século XXI, um escritor fã de Roberto, escreveu que aquilo era uma música de protesto como se Roberto, Erasmo e toda aquela turma tivessem combatido o regime militar. Vai ser alienado assim na baixa da égua! O pior é que o próprio Roberto Carlos, através da Justiça, suspendeu a venda do livro dele, que era uma biografia não autorizada. Bem feito! O livro é bom na narrativa dos fatos da vida do cantor, mas o cara puxou muito o saco de Roberto.
Bem, a verdade é que a Bossa Nova não expulsou Luiz Gonzaga nem o forró dos grandes centros urbanos. Nem a música internacional que começava a tocar insistentemente nas emissoras de rádio. Quem fez isso mesmo foram aqueles cabeludos de roupas apertadas, fivelões nos cintos, costeletas fechadas, pulseiras indiscretas, medalhões no pescoço e até salto alto nos sapatos!
Seu Luiz Gonzaga não tinha raiva de Chico Buarque, ao contrário, o admirava muito, e como sempre foi um homem contraditório, ao mesmo tempo em que apoiava o regime militar, gravou em pleno 1968, “Pra Não Dizer Que Não Falei de Flores”, de Geraldo Vandré. Mas ninguém chegasse perto dele para falar bem da Jovem Guarda porque ele detestava aqueles cabeludos todos!
Posteriormente, no começo da década de setenta, ele passou a dizer que Gil e Caetano moravam no seu coração, mas eles eram igualmente cabeludos e vestiam roupas bem mais espalhafatosas do que os artistas da Jovem Guarda. Então, chega-se ao consenso de que o Rei do Baião odiava mesmo era o iê-iê-iê. Tenho certeza disso!
A verdade é que ele resolveu colocar aquele ódio numa música. E para isso contou com a colaboração de um funcionário dos Correios de uma pequena cidade do interior do Ceará, chamado José Clementino, que era um modesto compositor. Luiz deu-lhe o tema, descreveu as indumentárias do pessoal das “jovens tardes de domingo”, fez uma espécie de esqueleto da música e mandou o cabra desenvolver. E não é que o homem era bom? Fez uma letra primorosa e “Seu Luiz” só teve o trabalho de fazer a “sanfonização” e depois gravar.
Eu me lembro como se fosse hoje como meu pai vibrava com o “Xote dos Cabeludos”. Ele sabia que o seu destinatário final era Roberto Carlos e dizia: “toma, fio duma peste!”
A biógrafa de Luiz Gonzaga, aquela francesa, escreveu no livro “A Saga de Luiz Gonzaga” que com essa música ele chegou ao fundo do poço. Acho que essa senhora entende tanto de música quanto eu de física nuclear. Ora, quem danado já ouviu um xote tão “cachorro da mulesta” igual àquele? Saiu no LP “Óia Eu Aqui de Novo”, de 1967, um dos melhores discos dele da década!
Escute-o e veja se concorda comigo!