Poema – Embolada de aprendiz, por Nilton Maia
EMBOLADA DE APRENDIZ
E vamos nós,
Embolados nesta vida,
Exaltando essa lida,
De música, verso e alegria.
Pois cada dia
Há de ser, serenamente,
Não o elo, mas corrente
A prender em nós o sonho.
Se estou tristonho,
Procuro a rima do nada,
Pois a alma, calejada,
Me diz pra seguir em frente.
Ser diferente é ser louco,
Sem aperreio:
O poeta, sem receio,
Também louva passarinho.
Quando caminho
Pelas rotas musicais,
Ouço, além dos sons normais,
As notas do coração.
A melodia,
Irmã gêmea da paixão,
Tropeça na emoção
E, de borco, cai sangrando.
Não estou blefando,
Nem sequer exagerando.
Meus amigos, vejam só
Em que fria acabo entrando.
Carioca, neto de português,
Abandono a sensatez,
Vou perdendo a timidez,
Na embolada me arriscando.
Sem ser do ramo,
Sem pandeiro e sem ganzá,
Resolvi me aventurar
Nesta nova empreitada.
É gesto insano,
E, de tal, até me ufano.
Sem delonga, sem engano,
Parto agora pra embolar.
Vou encarar,
Pois agora vou falar
Na Cultura Popular
Deste nosso país grande.
E sem pachorra,
Vou lutar por meu intento:
Risco o verso, corto, tento.
Escrevendo, assim aprendo.
Vou dizendo
Que o Brasil, que é tão vasto,
Banca o mais cruel padrasto
Com sua rica cultura.
E em vez de xote,
Choro, maxixe e xaxado,
Perde todo o requebrado
No funk e em outras diabruras.
Olhe que temos
Frevo de bloco e de rua,
Carimbó, catira e jongo,
Retumbão, guarânia e coco.
Calango, moda,
Marcha, rojão e dobrado.
Eu me ufano, admirado,
De ver tanta formosura.
E a mistura,
Que disso tudo resulta,
É prova mais do que culta,
Confirmando o que afirmo.
Temos ainda:
Caboclinho, cururu,
Cambinda, baião, lundu,
Pastoril, chula raiada.
Canto de cego,
Na porta de uma igreja,
Por mais triste que ele seja,
Tem beleza aprimorada.
Não acabei:
Tenho ainda que falar
De ciranda e marujada,
Gemedeira e congada.
E o tal do samba:
Que pode ser do rural,
Pode ser samba-canção
Ou de roda, ou urbano.
E a folia do divino ou de reis.
Aproveito a minha vez,
E mesmo sem altivez,
Sigo a rima, versejando.
E muito tema,
Digo só em argumento,
Não é outro o meu intento,
Tem sua dança apropriada.
Não me contento
Em ficar só por aqui,
Vou do Crato ao Chuí,
De Canindé a São Borja.
E vamos nós:
A embolada é inclemente.
Não perdoa, é exigente
Com o modo de dizer.
Versos recentes,
Desde já, estão presentes
Nessa faina apaixonada
De, no assunto, se arriscar.
Vou labutar,
Como humilde aprendiz,
Que ousa meter nariz
Pra onde não foi chamado.
Mas, com agrado,
Agarra o miúra à unha,
Segue a lida que se impunha:
De tal coisa ir falando.
Não me enganando,
Vieram lá da Europa,
Juntamente com os nobres,
A mazurca, a valsa, a polca.
Chegando aqui,
A esta terra se apegaram
E ao sol se aclimataram.
Por aqui foram ficando.
Sigo adiante,
Embolo, agora, de vera.
Não adianta besta-fera
Querer me calar na marra.
E é reisado, taieiras, maculelê,
Cavalo marinho, rancheira,
Batuque, canção, cantiga,
Balaio, torém, siriá.
Caninha verde,
Ladainha e modinha,
Fandango, tonta, milonga,
Incelença e cacuriá.
Maracatu, baque virado e rural,
Tambor de crioula e mina.
No Amapá, tem marabaixo.
Em Alagoas, baianá.
Chimarrita, chamamé e vaneirão,
Siriri, xiba, repente,
Congo e moda de viola.
Terno de pife, caxambu e afoxé.
Assino embaixo e dou fé
Que posso ter esquecido
De algum ritmo nativo
Já que o tema é tão vasto.
Vou terminar:
Agradeço a atenção
Do cristão e do pagão,
Da mocinha e do menino.
Do velhote
E do dono da bodega,
Chamado Mané Sossega,
Que me deu cana arretada.
Nilton Maia